terça-feira, 18 de outubro de 2011

Ouvir o que não se vê

Macau já tem uma associação de promoção dos direitos dos invisuais, mas ainda não vende bengalas para quem tem dificuldade em ver. Computadores falantes e autocarros mais comunicativos estão na lista das prioridades.
Mais do que grandes alterações físicas ou arquitectónicas, o que os deficientes visuais – parcial ou totalmente cegos – precisam é de melhorias ao nível dos transportes, sinalética e tecnologias. Na véspera do Dia Mundial da Bengala Branca, uma nova associação de apoio aos invisuais falou da necessidade de pequenas mudanças e de sensibilização da população.
A organização não-governamental ORBIS aproveitou a aproximação da efeméride para lançar uma campanha de angariação de fundos para os países em desenvolvimento e conseguiu, só em Macau, 930 mil patacas. Foram oito mil os que quiseram contribuir para o melhoramento da saúde visual no mundo.
Albert Cheong, presidente da recém-formada Associação de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência Visual, explica que há cerca de 350 pessoas com deficiências visuais inseridas no programa de apoio social do Governo, mas que muitas mais existirão “escondidas”. Criada em Julho, a sua associação – a primeira deste tipo em Macau, composta inteiramente por invisuais – conta com apenas dez membros, mas espera crescer rapidamente.
“Há muitas pessoas que estão escondidas, que não sabem que são deficientes visuais, que ficam em casa. Queremos dizer-lhes que não são inúteis, que podem trabalhar, podem ir à escola, formar família, ter filhos como toda a gente”, disse Cheong, que estima que existam mil a duas mil pessoas a sofrerem de algum grau de deficiência visual. Ele próprio, que apesar de não ser totalmente cego não consegue ver imagens nítidas, completou a sua formação universitária nos Estados Unidos.
Albert Cheong quer acabar com ideias feitas sobre a cegueira e sensibilizar a população. “Na cultura chinesa, quando as pessoas ouvem falar de deficiência visual pensam logo no cego que não vê nada, mas há muitas pessoas, como eu, que não conseguem ver bem.” Muitas delas, explicou o presidente da associação, vivem na sombra da sua incapacidade sem saberem que podem pedir ajuda.
iPads que falam
Macau é cidade de obstáculos, mas não daqueles em que se pensa imediatamente. Cheong não menciona dificuldades em atravessar ruas ou aceder a edifícios, mas sim outras barreiras. “Quando se fala de acesso, as pessoas pensam logo em acesso físico, mas nós temos uma deficiência sensorial, precisamos de outro tipo de ajuda”, apontou. E deu um exemplo: “Quando vou a uma casa de banho pública nunca sei qual é a masculina e qual é a feminina”. O dirigente explicou que existe um código internacional para as casas de banho onde a das senhoras é representada por um círculo e a dos homens por um triângulo. Esta sinalética ajuda aqueles que têm dificuldades de visão, mas não é utilizada em Macau.
No topo das prioridades Cheong coloca uma bem que pode gerar surpresa. “Toda a gente consegue usar o computador, certo? Eu não. Porque na biblioteca o computador não tem software de voz.” Algo aparentemente simples, como a instalação de um programa, permitiria a utilização do aparelho, muito procurado pelos que têm dificuldade em ver. “As pessoas cegas podem usar tudo. O computador pode falar, o iPad pode falar, o iPhone pode falar. Até os relógios e as calculadoras falam”, disse o responsável, apontando que “as novas tecnologias podem tornar tudo mais acessível”.
No que toca à mobilidade motora, falta algo essencial na RAEM: bengalas para cegos. Quem as quiser terá de ir a Hong Kong comprá-las. “É muito triste, uma coisa tão simples, 250 ou 300 dólares, e em Macau não se encontra em lado algum”, lamentou Cheong.
Um dos projectos da associação é dar formação, não só para o uso da bengala, mas também direccionada às famílias. “Como é que um familiar deve lidar com a cegueira de alguém próximo? E ao contrário: como é que um cego enfrenta a família e amigos? Como é que aprende a andar na rua sozinho?”. São questões a que quer ajudar a dar resposta.
Olhar o verde ao longe
Winky Kong está no último ano do curso de Psicologia da Universidade de São José. Um tumor roubou-lhe a visão há quatro anos mas isso não o fez desistir. Na universidade teve todo o apoio de colegas e professores, e contou com a preciosa ajuda do seu “computador falante”. Hoje é vice-presidente da Associação de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência Visual.
Na altura de falar com os jornalistas, munidos de câmaras de filmar e fotográficas, o universitário ajeitou o casaco: “O maior problema nas aulas é não conseguir ver as imagens, mas os meus colegas explicam-me sempre e os professores enviam-me a informação dos powerpoints com antecedência para perceber melhor as aulas”. Na São José há mais dois alunos com deficiências visuais.
A maior dificuldade que enfrenta é mesmo a da mobilidade. Todos os dias a mãe o leva às aulas porque Kong não consegue ir sozinho. “Não posso ir de autocarro porque não consigo saber qual é o número”, lamentou. Para o jovem, a situação poderia resolver-se com algum apoio dos condutores, mas por agora prefere não arriscar.
Vivian Lo, responsável pela ORBIS Macau, lembrou que 80 por cento das pessoas cegas, total ou parcialmente, podia ter sido curada caso tivesse recebido a assistência médica apropriada. “Não é só nos países mais pobres que estes problemas se manifestam. Em cidades modernas como Macau e Hong Kong as pessoas têm actividades que cansam muito os olhos, aumentando o risco de problemas de visão”, referiu.
Lo insistiu na importância da prevenção e deixou conselhos: “As pessoas devem descansar os olhos com frequência, não usar computadores em demasia e, sempre que possível, viajar para o campo, onde possam contemplar o verde e ver imagens ao longe”. I.S.G

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