sábado, 22 de outubro de 2011

Depoimento de uma modelo com deficiência visual sobre o 3º Concurso de Moda Inclusiva

Modelo com deficiência visual desfilando
Caro leitor,
Veja abaixo o depoimento da modelo com deficiência visual Karoll Sales, a respeito do 3º Concurso de Moda Inclusiva promovido pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Antes de tudo e de mais nada, venho falar do meu absoluto respeito a todos os envolvidos na organização e realização do 3º Concurso de Moda Inclusiva, realizado no auditório do Museu Casa Brasileira, na noite de 20/09/2011. Um trabalho como este, exige muito de todos que se lançam a dedicar parte de sua existência nele.
Desejo que o leitor receba as minhas palavras da maneira menos antipática e mais profissional possível. Mais do que falar de moda, abordarei agora as questões de acessibilidade oferecidas para as modelos com deficiência visual.
Indo direto ao assunto e ao contrário do que se pensa, o piso tátil direcional não foi feito para que a pessoa cega caminhe sobre ele, e sim para que a bengala percorra sua extensão. Meus olhos não viram, mas meus pés e a minha bengala sentiram a proposta dos pisos táteis instalados naquele local: refiro-me tanto ao piso de alerta quanto ao direcional.
Tentando trocar em miúdos, o piso direcional foi colocado como uma mini passarela, que tinha seu início e fim marcados por um piso de alerta, que sinalizava tão somente a largura do piso direcional, como se as modelos cegas fossem caminhar sobre ele.
Mas que piso é esse? Alerta, direcional? Qual a diferença entre eles e qual a finalidade de cada um? É justamente aí que eu quero chegar. O piso direcional, como o próprio nome diz, propõe-se a indicar a direção para a qual a pessoa que não enxerga deve seguir. Já o piso de alerta tem a função de indicar situações de perigo, bem como início e término de um determinado trajeto.
Se eu tivesse que fazer uma audiodescrição dos pisos táteis adaptados no desfile de moda inclusiva, diria que o piso direcional era largo bem mais do que o necessário e comprido tanto quanto deveria ser. Já o piso de alerta era bem mais estreito do que o necessário e de tão fácil percepção como deveria ser.
Acontece que eu fui uma das modelos cegas, estive lá, e ouvi comentários desde “tadinha, uma pessoa cega se perde na passarela…”, até “mas como é que ela se perde se o piso está ali”? E eu diria que nem “tadinha” e nem “perdida”. É fato que se questionarmos 100 homens e mulheres cegas a respeito da eficácia do piso tátil, a maioria esmagadora dirá que não gosta de utilizar, mas neste caso em questão, o fato não é nem gostar ou não gostar: trata-se da aplicabilidade correta ou incorreta do tão famoso recurso de acessibilidade, abordado com freqüência na NBR9050 de 2004.
Em linhas gerais, tomo a ousadia de dizer que um piso tátil colocado de maneira inadequada é capaz de prejudicar uma pessoa cega mais do que se ele não estivesse lá. Sim, porque ele teria que ser fininho para indicar a direção através da bengala e alertar de maneira mais extensa, para que as modelos soubessem exatamente onde parar.
Agora, mudando de assunto e continuando no mesmo, a localização por parte das modelos cegas na passarela não seria muito mais fluente se elas pudessem, assim como o público cego da platéia, contar com o recurso de audiodescrição? Há quem diga que sim, há quem diga que não. E é justamente pela necessidade do respeito à diversidade humana que nós, modelos cegas, deveríamos ter tido a chance de optar.
De cegas éramos quatro na passarela: duas com bengala, uma com guia vidente e a outra com seu cão-guia. Acredito que o meu relato, tanto pessoal quanto técnico, retrate mais a realidade das duas que utilizaram bengala, eu e mais uma. Contudo, não tenho a menor intenção de fazer uma crítica apenas para criticar, senão de colocar-me à disposição para contribuir com a acessibilidade adequada para situações e eventos futuros. As minhas palavras são e vão além de proferidas por uma usuária de bengala, pisos táteis e recurso de audiodescrição, mas também de uma pessoa cega que contou com profissionais extremamente qualificados que ministraram o curso de pós-graduação em Acessibilidade, com duração de 12 meses, em uma universidade de São Paulo, onde um dos temas mais discutidos era justamente a aplicação e utilização dos pisos táteis. Profissionais estes, que tem a NBR9050 como bíblia da Acessibilidade e que lutam para que esta norma se aperfeiçoe a cada dia, de acordo com as necessidades das pessoas com todos os tipos de deficiência e mobilidade reduzida existentes no Brasil.
Por fim, vale a pena criticar, desde que seja para somar, agregar valor, promover, neste caso, a inclusão de fato e de direito. Vamos construir juntos, com qualidade e bom senso? Se for assim, e só assim, estou por aqui, cada dia mais disposta a seguir.
Modelo com deficiência visual
Twitter: www.twitter.com/karollinesales
Imagens: Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência

Nenhum comentário:

Postar um comentário